terça-feira, 16 de novembro de 2010

SIMPLES

Quanto mais vis suas sandálias
mais nobres os teus pés.

Por que há de querer uma trilha para o Hades?


R.Braga Herculano.

(Ainda sem título)

Venho dentre os ventos de outono
e a chuva de pólovoras
meus olhos são o sol.

Cada passo que eu der
será o teu segundo de estar
desvirando-se do avesso a mim.

Eu quero a tua essência
eu quero teu corpo como um campo livre de soldados neuróticos
eu quero plantar em você meu paraíso.

Quero lhe instalar uma antena
transmitir-lhe sonhos meus e abstrações de meus pensamentos.

Quero pisar-lhe e cravar-lhe meu estandarte.

Te escavar e lançar meus planos
um pedaço de minha carne
te implantar asas que desenhei
abrir-te um céu com meus braços.

Meu abraço é teu templo
tu me precisas ser devota
que te construo um reino azul bem aqui.



R.Braga Herculano.

MARTÍRIO DO NADA

Correndo por toda a minha espinha
como um carrinho num autorama
chutando cada osso
brincando de fazer escamas
com minha pele puída.

Torcendo meu pescoço
esfregando minha cara no sol
puxando meus cabelos
queimando meus pés
até parar e meu coração fazendo-o
querer deixar-me.


R.Braga Herculano.

POR ESQUECER

Não vem sol mesmo
nem passará trem
céu fechou já
e ela nunca nem tentou me olhar a cara.

Olha que o dia corre num gole d'água
a ampulheta parede estufada
sonhos descarrilam-se da fita...

enquanto o filme da vida
há de ter
ao menos duas cenas inacabadas
sempre.


R.Braga Herculano.

INALCANCE

Evanesce a tarde
e as areias riscadas à grafite vão.

Me ponho no lugar do sol
só para me pôr no além

Para ninguém me tocar
até eu desaparecer

nessa lona negra
tão cuspida de vãs estrelas ignoradas
pelos vapores do caos urbano.


R.Braga Herculano.

ARES QUE MORRA

Um mastro vivo
uma espada seca
sem causas a abraçar
sem sangue
sem solo.

Estende-se no vazio pra mostrar
o nunca.

O ideal
a verdade
a história - coisa que desmentiu
a mancha
que o espelho não refletiu.


R.Braga Herculano.

TANTO TEMPO

Olho-te mais uma vez
nos porões de minha memória.

Tua face, um ninho de traças.

Passam-se quarenta e oito luas
até me esqueci de sentir saudades suas.

É
e continuo
aqui.

R.Braga Herculano.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

ESSE ALGUÉM

Alguém tem em mãos
seu planejamento da esperança.
Mas esse alguém não esconde a ponta de dor que sente.
Porém com muito amor, vem ilusão.
Visita o espaço de seu interior
Até que consegue sorrir um sorriso quase cego
de tão brilhante
ao horizonte.
E ao dormir com os anjos
se cobre confortavelmente com a bandeira da felicidade!

Mas esse alguém chora toda vez que acorda...


R.Braga Herculano.

SIBILA VANE

O mais polido marfim
pode não ser tão suave se tocado for em seu coração.

A tolice sua sempre foi
álibi de estupidezes terceiras.

Aprenda com a insensatez do tempo
que a insensibilidade é a regente
da vida.

Pelo menos dessa vida que você leva
pelo menos essa vida que te leva
para o abismo que é o amor...


R.Braga Herculano.

AOS FRUSTRADOS

A digerir sempre recalques e nutrir esse luminoso desespero:

Morram, bichos-homens!
Que nunca nasçam os homens-ícaros!

Vida longa às sequóias de sapatos sobre a terra lodosa!
Vida longa quase eterna!

R.Braga Herculano.

OS HOMENS, OS MACACOS E AS ÁRVORES

Os homens são irmãos dos macacos
macacos moram em árvores.

Os homens parecem com árvores
árvores nunca foram macacos.

Macacos imitam os homens
os homens abraçam as árvores.

Macacos abraçam os homens
e os homens matam os macacos.

Macacos trepam nas árvores
os homens derrubam as árvores
para treparem na cama
e depois plantarem bananeiras.

Assim como os macacos.


R.Braga Herculano.

DIA-NOITE NOITE-DIA

Dia-noite
noite-dia
noite-dia
dia-noite
dia-noite
noite-dia
noite-dia
dia-noite.

Mero estrobo nesse céu
lona de circo sem circo
pano de fundo sem imagem.
cortina guardando o vento
bandeira de caixão vazio
salpicado de estrelas nuas
ilustrado com nove falsas luas
cobrindo ruas, ruas e ruas
betumadas de morte
tragicamente.

E a humanidade mal nascida
que quer viver para sempre
mas não evita esse acidente
que é o mal-nascer.


R.Braga Herculano.

MAIS DAS TURVAS IV

Um tanto desinspirado
me doo num paralelo que eu mesmo tracei.

Corro até surgir obstáculos
e desvio.

Desenho tentáculos vãos
que nunca agarrarão meu destino.

E sigo sem me pertencer.


R.Braga Herculano.

UMA PALAVRA

Uma palavra de nervos e ossos.
Uma palavra de pele oleosa.
Uma palavra entre as rosas do abismo.

Uma palavra tomando forma
mergulhando no intimo de seu sentido
mergulhando no ritmo de seu fonema
na dicção doce embebida em saliva
se desmanchando numa língua camurça
no céu da boca voando com os anjos de afrescos
no hálito fresco, cinamomo
voa livre até se perder
numa garganta além do horizonte.


R.Braga Herculano.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

TODAS AS LENTES

O olho nu viu um mundo.
Já os óculos, o submundo.
E o microscópio, o imundo.

Agora o telescópio,
viu e creu felizmente
na existência do lado de fora.

R.Braga Herculano.

PARA OSWALD

Seria um sacrilégio
desomenagear os tupistas
aqueles demagogos
que balbuciam dialetos
que pintam a cara dos versos
e dormem sob lustres parisienses.

Seria um sacrilégio
mas desomenageio.

R.Braga Herculano.

POR TENTAR CONTINUAR

...confirmada a morte das eras
cerrarei os punhos às metástases que consomem o céu...


R.Braga Herculano.

O HISTORIADOR

O historiador nutre-se de lodo, de esquecimento
e é esquecido.
Justo.

O historiador nunca precisou de estômago
a história é seu luxo
e seu futuro, o candeeiro dos vermes.

O historiador busca o perfeito passo
da dança dos mistérios
no andar dos ossos secos.

Ossos secos planejavam o mundo...

O historiador matou o homem do espelho
vestiu-se de lápide
e esqueceu de tirar o pó em sua capa de heroi do tempo.
Justo.


R.Braga Herculano.

O VERME

Dançando por sua existência
olha-se no espelho com repugnância.

Não tem dinheiro
mas quando ganha
é da miséria
de seu reflexo.

De seu "nexo" de viver se faz doença
da sua crença, o efeito de um sonífero
em seu habitat
podre aquífero.

Respira medo e transpira
sangue indiferido
como se campos de guerra fossem
o meio do nada.

Quiçá o berço de uma nova vida?

E dançando loucamente lúgubre
dá a si mesmo nós cegos de dor.
Ofegante porque a luz é forte
é de manhã ainda, ó atordoada hora lenta!

R.Braga Herculano.

MAIS DAS TURVAS III

Se o ar não me permite o voo
lanço longe de meus pulmões
eu quero nuvem de grafite!

Nuvem que de cara suja o index
que me direciona às páginas amareladas de minha vida.

Páginas amareladas essas
de bordas cortantes
degolando todos os anjos que querem
perturbar meu momento de uma paz amarga.

Deixe-me
felicitar dessa vileza aqui
respirando todas as limalhas que se espalham
no horizonte da minha estupidez por estar aqui
até os dias de hoje...

R.Braga Herculano.

ENGOLIDA É A ESTRELA

Engolida é a estrela.

De brilho distante
na alma do gênio
com fome de vida
na boca do estômago
a página em branco.

Engolida é a estrela.

A página em branco
na boca do estômago
com fome de vida
na alma do gênio
de brilho distante.

Engolida é a estrela.


R.Braga Herculano.

1994

Os flashes me incomodam
flashes de tardes calmas de outono
da praça do Bairro Araújo
nauseantes-deliciosas lembranças.

Todos os risos das brincadeiras ecoam
na sarjeta da minha mente
esmurrando saudosamente o vão
onde se dissolve meus tempos antigos
lá onde a memória mal arquivou.

A alegria é tão volátil
porque ninguém ainda conseguiu extrair a sua essência
e criar um perfume que fixa?

Entre algumas traças
almoçando minha face jovem
tento quase morto salvar
episódios de minha infância-naftalina.

Mas com os pés em outro solo
sob um sol tão radiante
mas um tanto castigador.

E me levo a saber
não há mais tanto.


R.Braga Herculano.

JUSTIFICATIVA

Não narro
e nem história tenho para isso.

Poesia é melhor.

Simplesmente
escarro
meia dúzia de minhas frustrações

e pronto!

R.Braga Herculano.

NÃO ENTENDO

Descarnado e sem estar em esfera alguma sou
disforme.
Minha era não tem face
na treva que me enforca.

Engulo o vácuo e desrespiro pensamentos.

No entanto, eu tento
entender a liberdade de poder não ser
e não entendo.

Até que inexplicavelmente invento
um amor para mim
só para me regozijar
de um possível sentimento
mais para um provável sofrimento.

No entanto, eu tento
entender que quando amo logo sou e sendo
me prendo.

Mas não entendo.

R.Braga Herculano.

MIGALHAS DE ESTRELAS

mi-
ga-
lhas de es-
trelas na la-
ma

em
cha-
mas cris-
tais de
es-
pe-
rança e

lan-
ças per-
furando o es-
paço e
um
laço...

atando-todas-as-vidas-aqui.

R.Braga Herculano.